Águas residuais são aquelas provenientes de diversas atividades humanas, como banho, descarga sanitária, lavagem de roupas e processos industriais. Contêm uma variedade de substâncias, incluindo poluentes orgânicos, nutrientes, sedimentos e microrganismos, que podem ser prejudiciais para o meio ambiente e a saúde se não forem devidamente tratados antes de serem descartados ou reutilizados.
As águas residuais domésticas originam-se das atividades diárias de uma residência. Já as águas residuais industriais são provenientes de processos industriais, que podem conter uma ampla gama de poluentes, dependendo do setor industrial. Entre eles temos os produtos químicos, metais pesados, resíduos tóxicos e substâncias biodegradáveis. A composição varia conforme a indústria: química, têxtil, alimentícia e metalúrgica.
Paulo Paschoal, diretor de operações do Grupo Opersan explica que essas possuem maior nível de aditivos químicos e/ou biológicos, tendo sua origem em processos fabris para produção, lavagem de equipamentos e desenvolvimento de produtos ou serviços. Deste modo, necessitam de tecnologias específicas e de um processo de tratamento criterioso para que possa ser reutilizada com segurança.
“Também há a categoria de águas residuais mistas, que podem ser uma combinação de doméstica e industrial. O tratamento adequado dessas águas é essencial para minimizar impactos ambientais negativos e promover a saúde pública” – destaca Emilio Bellini, diretor da Alphenz.
Além das divisões entre domésticas e industriais, as águas residuais podem ser subdivididas como Água Negra, Água Cinza e Água Pluvial. Sérgio Kochen, diretor da Reuságua explica que a primeira é originada de vasos sanitários e pias de cozinha, sendo a mais contaminada de todas. Ela contém matéria fecal, produtos químicos de limpeza e resíduos orgânicos em alta concentração.
A Água Cinza, por sua vez, é proveniente de chuveiros, pias de lavabos e máquinas de lavar, sendo menos contaminada que a água negra, uma vez que contém apenas resíduos de sabão, produtos de higiene pessoal e partículas de sujeira. Embora não seja uma água residual no sentido tradicional, a água pluvial é aquela resultante de chuvas que escorrem por superfícies urbanas.
“Em uma escala crescente temos primeiro o aproveitamento de água de chuva. Nesse caso, se colhe a água especificamente de telhado, ou seja, não pode ter qualquer tipo de contato com o solo ou com produtos químicos. A norma pede para filtrar e higienizar, a fim de eliminar um mínimo de contaminante ou bactéria que posso existir. Depois temos o reúso de Água cinza. Aqui a norma pede um processo de decantação, tratamento biológico, filtragem e higienização” – enfatiza Kochen.
Vale ressaltar que para aproveitar esse tipo, a residência ou prédio precisa ter sido construído com a separação de esgoto. “Por fim, na água negra, que também é reúso, o processo é igual ao da água cinza, apenas com uma decantação maior, devido a quantidade de matéria orgânica” – completa o diretor da Reuságua.
O fato é que, essa subdivisão é fundamental para planejar e executar tratamentos adequados, considerando a composição e nível de contaminação de cada tipo. “Dessa forma, é possível maximizar a eficácia dos processos de tratamento em função da finalidade do reúso desejado, com segurança do reúso e foco em economia, visando redução de custos” – complementa Sibylle Muller – diretora da AcquaBrasilis.
Reúso para diversos fins
Após passarem por processos de tratamento adequados, tanto as águas residuais domésticas quanto as industriais podem ser aproveitadas e reutilizadas para diversos fins. No entanto, a qualidade da água tratada e a sua adequação para reúso variam conforme o nível e os padrões de qualidade exigidos para cada uso específico.
Lembrando que a reutilização requer tratamento e controle para garantir que a água atenda aos padrões de qualidade apropriados e para proteger a saúde pública e o meio ambiente. Desta forma, segundo Bellini, o sucesso da reutilização depende da implementação de sistemas eficientes, monitoramento rigoroso de qualidade, regulamentações apropriadas e aceitação social.
“A água contaminada deve ser tratada e atender os parâmetros impostos pela legislação vigente, enquadradas nos pré-requisitos tanto para o descarte como para a reutilização. O reúso é uma prática adotada, possível e incentivada para estimular a preservação desse recurso fundamental para a sobrevivência” – ressalta Paulo Paschoal, diretor de operações do Grupo Opersan.
Em 2019, a ABNT publicou a NBR 16.783, que estabelece critérios e padrões de qualidade para utilização de água de reúso para fins não potáveis em edificações. Segundo Nataska Schincariol, diretora de engenharia da General Water, essa norma é um importante guia para o aproveitamento e reutilização de forma segura.
Entre os principais usos estão a descarga de bacias sanitárias e mictórios; lavagem de logradouros, pátios, garagens e áreas externas; lavagem de veículos; irrigação para fins paisagísticos; uso ornamental (fontes, chafarizes e lagos); reserva técnica de incêndio, sistemas de resfriamento de água; e arrefecimento de telhados.
Vale ressaltar que os sistemas de reservação e distribuição de água de reúso devem ser totalmente independentes dos de água potável, e os pontos de utilização devem ser sinalizados, e a água deve atender os padrões de qualidade estabelecidos pela mesma Norma.
Para Kochen, de todos os tipos de águas residuais, o aproveitamento da água de chuva é o mais viável, por causa da sua qualidade, já que se trata de uma água pura. As demais contêm mais poluentes e bactérias, por isso demandam maior tratamento, o que gera mais custo, maior tempo e um projeto mais especificado.
“Sempre me perguntam qual é retorno do investimento, o sistema de água de chuva não é caro e consume pouca energia, ou seja, se paga mais rapidamente. Sem falar que a água está lá e é grátis. O sistema para reúso de água cinza é mais pela ideia de sustentabilidade, pois é um projeto caro, que ocupa muito espaço, que funciona 24hs por dia gastando energia, e ainda precisa ser implantado antes, no projeto do prédio ou da casa” – explica o diretor.
Ainda sim, em um leque mais amplo, outras aplicações para as águas residuais tratadas incluem Irrigação Agrícola, Recreação, Recarga de Aquíferos, Usos Industriais Não Potáveis, Uso Urbano Não Potável e Recarga de Água Potável. Vale mencionar que com o aproveitamento e o reúso diminui a descarga de efluentes contaminados em corpos d’água, prevenindo a poluição e melhorando a qualidade da água nos ecossistemas aquáticos.
“Na irrigação agrícola, por exemplo, reduz a necessidade de captação de água de fontes naturais, contribuindo para a conservação do solo e a preservação de ecossistemas terrestres, sem falar que a água tratada pode conter nutrientes valiosos, como nitrogênio e fósforo, que são benéficos para a fertilização de culturas, contribuindo para a produtividade agrícola” – destaca Bellini.
Além disso, o tratamento de águas residuais e a reutilização de água podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa associadas à energia necessária para bombear, tratar e distribuir água potável, além de proporcionar benefícios econômicos, como a redução de custos de captação de água, tratamento de efluentes e eliminação de resíduos.
“Estamos falando de um conceito que vem sendo praticado em todo o mundo e deve ser incentivado, já que os esgotos tratados têm um papel fundamental na gestão sustentável dos recursos hídricos, representando um uso racional e mais eficiente da água” – destaca Paschoal.
Tipos de tratamento e processos
Existem vários tipos de tratamento pelos quais as águas residuais precisam passar para se tornarem adequadas para o aproveitamento e reutilização. De acordo com Bellini, esses podem ser físicos, químicos e biológicos ou a combinação deles, dependendo do nível de qualidade exigido para o uso pretendido.
Tratamento Preliminar ou Primário
Gradeamento: Remoção de objetos grandes, como galhos e plásticos, usando grades.
Desarenação e Desengorduramento: Separação de areia e gorduras leves por meio de sedimentação ou flotação.
Decantação Primária: Remoção adicional de sólidos sedimentáveis por meio de processos de sedimentação.
Tratamento Biológico
Lodos Ativados: Processo biológico que utiliza microrganismos para degradar matéria orgânica em meio aeróbico.
Reatores Anaeróbios: Os reatores anaeróbios utilizam microrganismos que não requerem oxigênio para degradar a matéria orgânica. Eles são eficazes na redução de poluentes orgânicos e produzem biogás como subproduto.
Moving Bed Biofilm Reactor: Nesse sistema, uma massa móvel de material de suporte é usada para fornecer superfícies onde os microrganismos podem aderir e crescer. Isso aumenta a eficiência da decomposição de matéria orgânica.
MBR (Membrane BioReactor): Combinação de processos de tratamento biológico com filtração por membranas, resultando em uma remoção eficiente de matéria orgânica e sólidos suspensos.
Tratamento Terciário, ou Avançado, ou Polimento Final
Filtragem: Passagem da água através de filtros para remover partículas finas e microrganismos.
Membranas de Filtração: Utilização de membranas semipermeáveis para remover partículas, bactérias e vírus.
Processos de Oxidação Avançada: Utilização de produtos químicos com ou sem radiação UV para degradar compostos orgânicos persistentes.
Cloração: Adição de cloro para eliminar microrganismos patogênicos.
Desinfecção por UV: Uso de radiação ultravioleta para inativar bactérias, vírus e protozoários.
Remoção de Nitrogênio e Fósforo: Processos biológicos ou químicos para reduzir os níveis de nutrientes antes da reutilização.
Filtros de Carvão Ativado: Remoção adicional de compostos orgânicos, produtos químicos e cor da água.
Segundo o diretor da Alphenz, para reutilizações mais exigentes, como água potável direta ou reúso em processos industriais sensíveis, pode ser necessária uma combinação de tratamentos avançados para garantir a qualidade da água tratada.
“Os esgotos domésticos e sanitários geralmente são tratados por processos biológicos que envolvem a degradação dos poluentes por microrganismos em reatores biológicos, seguidos por decantação ou flotação, filtração, e desinfecção com cloro. Mais recentemente, membranas de ultrafiltração tem sido adotada na etapa de separação física, com a vantagem de representarem uma barreira muito mais segura e robusta do que decantadores e filtros” – complementa Nataska.
No caso do efluente industrial, devem-se conhecer os contaminantes presentes e dimensionar o sistema considerando as operações unitárias aplicáveis para obter a redução da concentração dos contaminantes, até se atingir os níveis estabelecidos pela legislação ambiental ou definidos para o reúso do efluente tratado. Os principais métodos de tratamento de efluentes industriais são classificados em processos físicos, químicos e biológicos.
O tratamento físico faz a remoção de contaminantes sólidos e misturas coloidais em suspensão sedimentáveis ou flutuantes, por meio de separações físicas, utilizando processos como gradeamento, peneiramento, caixas separadoras de óleos e gorduras, desarenadores, filtração e flotação, dentre outros.
No processo de tratamento químico, os poluentes são removidos por meio de reações químicas que alteram a composição molecular do efluente, facilitando a separação dos contaminantes. Para isso, utilizam-se produtos específicos, como agentes de coagulação, floculação, neutralização de pH, oxidação e redução química.
“De modo geral, as reações químicas ocorrem a partir da dosagem de reagentes específicos, determinados mediante simulações das reações em escala laboratorial, buscando encontrar o método de maior eficiência. No caso biológico, o processo é realizado por meio de bactérias e outros microrganismos que consomem a matéria orgânica presente, reduzindo seus níveis de contaminação” – explica Paschoal.
Ainda segundo ele, o tratamento pode ocorrer na presença ou na ausência de oxigênio, sendo denominados como processos aeróbios ou anaeróbios, respectivamente. Os resíduos aplicáveis a este tipo de tratamento devem apresentar características biodegradáveis e são comumente efluentes sanitários ou gerados em setores como o de alimentos e bebidas, papel e celulose, têxtil e de cosméticos.
“Dependendo da qualidade da matéria-prima (água residual bruta) e do uso da água final, apenas esses processos são suficientes para produzir água de reúso. Em outros casos, essa água pode receber um tratamento adicional em processo biológico ou em membranas de Ultrafiltração ou Osmose Reversa” – destaca Nataska.
A aplicação de cada método deve ser estabelecida a partir da caracterização do efluente, através de análises laboratoriais. É importante garantir que as análises realizadas sejam conduzidas por laboratórios com elevado controle de qualidade, para que as decisões de projeto sejam assertivas, por isso, é indicado a utilização de laboratórios com acreditação no Inmetro, ISO 17.025.
O esgoto já pode ser conside-rado como recurso
Em um cenário de escassez de recursos naturais, cada vez mais podemos considerar o esgoto não como um resíduo, mas sim como um recurso. De acordo com Nataska dele é possível extrair água, energia e adubo. Em relação a água especificamente, ao aproveitar e reutilizar efluentes tratados, geramos benefícios socioambientais em duas pontas.
Por um lado, economizamos água potável e reduzimos a pressão sobre os mananciais e os sistemas públicos de abastecimento, disponibilizando um maior volume de água potável para a população. Por outro, reduzimos o descarte de efluentes em redes de coleta e corpos d´água, diminuindo a poluição dos mananciais, uma vez que apenas cerca de metade dos efluentes gerados no Brasil recebe o devido tratamento antes de seu descarte nos corpos d’água receptores.
Desta forma, o tratamento das águas residuais é de extrema importância por uma série de razões, que abrangem desde a proteção do meio ambiente até a saúde pública e a sustentabilidade econômica. Além disso, é importante para prevenção de doenças, promover a sustentabilidade industrial e minimizar impactos ambientais futuros.
“Há dois fortes argumentos para aproveitar e reutilizar água. O primeiro deles é a economia, cada litro que reutilizamos é um litro a menos comprado da concessionaria. Depois temos o pilar da sustentabilidade, onde cada vez mais há a preocupação e a consciência de cuidar desse bem escasso, a água potável. Muitas vezes gastamos essa água em locais que poderia ser usado não potável” – destaca Kochen.
É importante enfatizar que o descarte inadequado de águas residuais não tratadas pode causar poluição significativa de rios, lagos e oceanos. Isso resulta na morte de vida aquática, degradação dos ecossistemas aquáticos e impactos negativos na biodiversidade, uma vez que podem conter microrganismos patogênicos, como bactérias, vírus e parasitas.
Sem falar que muitas regiões do mundo enfrentam escassez de água, e o tratamento e a reutilização de águas residuais podem proporcionar uma fonte alternativa de água para usos não potáveis, aliviando a pressão sobre fontes de água doce. Nesse contexto, é possível afirmar que reutilização faz parte de uma abordagem sustentável para a gestão da água.
Lembrando que as iniciativas que envolvem os setores público e privado devem focar no saneamento da água através de práticas, como tratamento de efluentes, retenção de águas residuais e tratamento adequado sempre de acordo com cada categoria de água residual.
Desta forma, a prática do aproveitamento e reúso de águas residuais tratadas se destaca como uma abordagem pragmática e ambientalmente consciente, que vai ao encontro dos desafios presentes e futuros de disponibilidade hídrica. “Ao assegurar que as águas tratadas alcancem níveis de qualidade adequados, podemos explorar o reúso de maneira responsável, alinhada à preservação dos recursos naturais e ao mesmo tempo beneficiando uma ampla gama de atividades humanas” – afirma Sibylle.
O fato é que a reutilização se apresenta como uma solução econômica que contribui para preservar o uso de água potável em atividades mais nobres, ao mesmo tempo em que oferece benefícios financeiros, permitindo um manejo adequado dos recursos hídricos.
Essa abordagem não apenas se revela resiliente e visionária frente aos desafios contemporâneos de escassez hídrica e conservação de recursos naturais, mas também demonstra como a água pode ser transformada após passar por tratamentos apropriados em um recurso valioso, com múltiplas formas de aproveitamento benéfico.
Fonte: revistatae.com.br